segunda-feira, 28 de abril de 2008

O Cordel da Reconstituição

É domingo ensolarado
Tem gente de todo lado
Pra assistir a encenação

Parece circo, parece teatro
Tem nego vendendo bala, picolé, pastel fritado
Tem polícia, milico por todo o lado
Tem um cheiro, um ar de satisfação

Tem aposentado vestido de anjo
Tem nordestino crucificado
Com cartaz, dente de ouro e retrato
Querendo representar a inquisição

Tem também muita imprensa
Muita gente querendo justiça
Muita criança no colo sob o sol
Ninguém parece ter preguiça

Tem gente que estava ali
Apenas para passar o tempo
E enquanto passa esse tempo, de domingo bolorento
Dá depoimento pras câmeras da televisão

Fica famoso, quase rico
Aparecendo na telinha
Fica contente e quase canta
Dizendo que há ainda esperança
Que se faça a justiça

E assim passa o domingo
Entre gente burra e cientista
Que com aparelho caro desliza
Sob os olhos da multidão

Essa mesma multidão
Que tanto admira a mídia
Que dizem: faz seu papel de notícia e informação

Essa mesma gente emotiva
Olha pro resto do mundo pálida
Com cara de quem não quer nada
Querendo que ele fosse diferente

Esquecem de todas as meninas
Que rotas, rasgadas, sujas e mortas
As suas, os do visinho ou as das esquinas

Que formam um batalhão esquecido
De um Brasil apenas visto
Pelos olhos da televisão

Essa mesma gente que grita
Se rebela, se espreme, se agita
Queremos agora a justiça!
Fica calada e quase morta
Perante tanta pobreza, desgraça torta

Desse país grandioso
Cuja gente mesquinha
Que adora notícia triste
E que com os dedos em riste
Exige respeito ao cidadão

E assim acaba o domingo
Como em fim de espetáculo ou circo
E essa gente caminha pra casa
Levando no coração a certeza
Que cumpriu sua missão

E vem a segunda-feira
E tudo é novamente comentado
Tudo novamente verificado
Só pra todos terem a certeza
Que o mundo continua na escuridão

Tenho pena dessa gente
Que sem saber que por de trás do show
Existem mentes frias e doentes
Que como urubus do campo
Saciam sua sede de lucro
Com a desgraça de cada um

Mas há de chagar um dia
Em que a luz brilhará novamente
Os domingos serão belos, macios, diferentes

Nesse mundo novo
Minha gente, nossa gente, nosso povo
Verá as coisas como realmente são
Sem diretor de imagem
Sem cortador de palavra na reportagem
Sem recorte ou edição

Essa gente, minha gente
Lavada de todo esse mal
Acordada de pesadelo profundo
Vera surgir um novo céu, um novo mundo
Apenas com os olhos, com a mente e com o coração

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